A identidade de gênero tem sido reconhecida, cada vez mais, como parte essencial da dignidade humana. Nesse contexto, o processo transexualizador — que envolve, entre outras etapas, a cirurgia de redesignação sexual — ganhou amparo jurídico e ético, sendo tratado como um direito à saúde e não como um procedimento de natureza meramente estética. No Brasil, o entendimento majoritário dos tribunais é de que os planos de saúde são obrigados a custear este tipo de tratamento, quando houver indicação médica.
O que é o processo transexualizador?
O processo transexualizador inclui acompanhamento psicológico, terapias hormonais e procedimentos cirúrgicos voltados à adequação da identidade de gênero do paciente. Esses tratamentos são regulados pelo SUS desde 2008 (Portaria nº 2.803/2008 do Ministério da Saúde), mas também são passíveis de cobertura na saúde suplementar, isto é, pelos planos de saúde privados.
A Organização Mundial da Saúde, na Classificação Internacional de Doenças (CID-10 e CID-11), reconhece a transexualidade como condição médica, e o Brasil, por meio da Lei nº 9.656/1998, obriga os planos de saúde a cobrirem tratamentos que atendam doenças reconhecidas oficialmente.
Entendimento da ANS e a obrigação dos planos
De acordo com a Resolução Normativa nº 465/2021 da ANS, procedimentos como mastectomia, histerectomia, ooforectomia, vaginoplastia e tireoplastia constam no rol de procedimentos cobertos, mesmo sem diretriz de utilização específica. Isso significa que, se forem indicados por um médico assistente, esses procedimentos devem ser autorizados e custeados pela operadora do plano.
Jurisprudência favorável
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem consolidado entendimento em defesa da obrigatoriedade da cobertura da cirurgia de redesignação sexual, destacando:
- É ilegal a exclusão contratual de cobertura da cirurgia, quando há indicação médica (AgInt no AREsp 1.713.875/SP);
- Havendo negativa abusiva, o plano deve reembolsar integralmente o valor pago em rede particular (REsp 1.840.515/CE);
- Negativa indevida configura dano moral, com direito à indenização (AgInt no AREsp 1.865.767/PE);
- O médico assistente é quem define a necessidade do procedimento, e não o plano (AgInt no AREsp 1.658.454/SP);
- Os planos devem custear tanto os materiais quanto os medicamentos diretamente relacionados à cirurgia (REsp 1.962.073/SP e REsp 2.004.990/SP).
Além disso, tribunais estaduais têm reiteradamente rechaçado a tese de que a cirurgia teria apenas caráter estético, reconhecendo sua função terapêutica, relacionada à saúde mental e emocional do paciente.
Direito à dignidade e à saúde
A negativa da cirurgia, além de configurar descumprimento contratual, fere os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e do acesso universal à saúde (art. 1º, III e art. 6º da CF/88). Também contraria o disposto no Código de Defesa do Consumidor, que proíbe cláusulas abusivas e assegura a cobertura de tratamentos essenciais, quando reconhecidos como necessários pelo médico assistente.
Conclusão
A cobertura da cirurgia de redesignação sexual pelos planos de saúde é, portanto, obrigatória quando houver recomendação médica, sendo inaceitável sua recusa sob argumentos contratuais ou ausência no rol da ANS. Essa prática pode e deve ser questionada judicialmente, inclusive com pedido de indenização por danos morais.
Se você ou alguém que conhece enfrentou uma negativa como essa, procure um advogado especializado em Direito da Saúde. O respeito à identidade de gênero também passa pelo acesso digno à saúde.