Em tempos de crescente atenção à saúde mental, a negativa de cobertura para tratamentos inovadores, prescritos por especialistas, coloca em xeque o compromisso das operadoras de saúde com o bem-estar dos beneficiários. Esse foi o cenário enfrentado por uma paciente diagnosticada com depressão refratária grave, cujo plano de saúde se recusou a custear o medicamento Spravato, mesmo diante da gravidade do quadro clínico e da ausência de alternativas terapêuticas eficazes.
O Caso e a Decisão Judicial
A paciente, portadora de depressão maior resistente e com ideação suicida, recebeu prescrição médica para iniciar tratamento com Spravato (esketamina), um spray nasal de ação rápida, aprovado pela Anvisa em 2020 e administrado exclusivamente em ambiente ambulatorial, sob supervisão médica. Ainda assim, a Unimed São José do Rio Preto negou o custeio do tratamento, alegando que o medicamento seria de uso domiciliar, não constava no rol da ANS e não fazia parte das obrigações contratuais.
A autora ingressou com ação judicial e obteve decisão liminar favorável. Ao analisar o mérito, o juízo da 5ª Vara Cível de São José do Rio Preto/SP acolheu os argumentos da paciente e determinou o custeio integral do tratamento, reconhecendo a abusividade da negativa e a necessidade de atualização periódica das receitas médicas.
Entendimento Jurídico e Responsabilidade da Operadora
A fundamentação da sentença foi clara: a operadora não pode se sobrepor à prescrição médica, sobretudo quando o medicamento recomendado não é de uso domiciliar e há comprovação de sua necessidade para preservar a saúde e a vida da paciente. O magistrado destacou ainda que a negativa afronta os princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e o próprio direito fundamental à saúde.
Na apelação interposta pela Unimed, o TJ/SP confirmou a sentença por maioria de votos, reforçando o entendimento de que:
- A recusa de custeio com base na ausência no rol da ANS é injustificável, quando não há tratamento alternativo eficaz;
- A função do médico é soberana na definição da melhor abordagem terapêutica para o caso concreto;
- O plano de saúde não pode restringir o objeto principal do contrato, que é o acesso à assistência adequada.
O Rol da ANS Não É Absoluto
A tese de defesa mais comum utilizada pelas operadoras — a de que o rol da ANS é taxativo — tem sido relativizada pelo Judiciário. O entendimento majoritário é o de que, se não houver outra alternativa terapêutica incorporada ao rol, e diante de prescrição fundamentada, a cobertura deve ser concedida.
A própria súmula 102 do TJ/SP corrobora essa visão:
“Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.”
Considerações Finais
O caso analisado representa um importante precedente na luta pelo acesso a tratamentos modernos e eficazes na área da saúde mental. O Judiciário tem deixado claro que a proteção à vida e à dignidade da pessoa humana deve prevalecer sobre interesses econômicos das operadoras.
Pacientes diagnosticados com depressão refratária, quando indicados ao uso de Spravato por seu médico especialista, e diante da negativa injustificada do plano, têm respaldo legal para buscar a cobertura do tratamento na Justiça.
Cabe ao profissional do Direito, atento à jurisprudência e à legislação aplicável, orientar adequadamente seus clientes e fazer valer seus direitos perante condutas abusivas.
Processo: Apelação Cível 1034845-59.2023.8.26.0576 – TJ/SP