A segmentação entre planos de saúde individuais, familiares e coletivos sempre gerou polêmicas no Judiciário brasileiro. No entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo vem consolidando um entendimento importante: contratos com características de plano familiar, mas mascarados como coletivos empresariais, podem ser readequados para plano individual — principalmente quando violam os direitos do consumidor.
O que é um plano “falsamente coletivo”?
Trata-se de contratos firmados sob a roupagem de coletivo empresarial (normalmente mais suscetível a reajustes abusivos e com menor regulação da ANS), mas que, na prática, atendem a um pequeno núcleo familiar ou grupo reduzido de pessoas, sem qualquer vínculo trabalhista efetivo com a pessoa jurídica contratante.
Esse tipo de manobra tem sido frequentemente utilizada pelas operadoras de saúde para contornar as regras da ANS aplicáveis aos planos individuais, como os limites de reajuste anual definidos pela Agência.
Decisão do TJ/SP: cláusulas abusivas e readequação obrigatória
No caso julgado pela 7ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP (Processo nº 1015092-13.2024.8.26.0114), ficou reconhecida a existência de um plano de saúde com apenas dois beneficiários da mesma família. Embora firmado como coletivo, o contrato não atendia aos requisitos legais dessa modalidade.
Além disso, o Tribunal considerou nulas as cláusulas de reajuste, classificando-as como potestativas — ou seja, dependentes de critérios exclusivamente controlados pela operadora (como despesas assistenciais internas e indicadores financeiros), sem qualquer possibilidade de verificação pelo consumidor.
Dessa forma, foi determinada a readequação do plano para a modalidade individual/familiar, com a aplicação dos índices de reajuste fixados pela ANS, além da restituição dos valores pagos indevidamente nos últimos três anos.
Fundamentos jurídicos da decisão
A relatora, Desembargadora Lia Porto, baseou-se:
- No princípio da boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil);
- Na proteção do consumidor vulnerável (art. 6º do CDC);
- Na jurisprudência do STJ, que reconhece a aplicação das regras de planos individuais em contratos com características de “falso coletivo” (REsp 1.568.244/RJ e REsp 1.558.086/SP);
- E na nulidade de cláusulas contratuais abusivas, por ausência de transparência e desequilíbrio.
Consequências para o consumidor
Essa decisão abre espaço para que beneficiários de planos “coletivos” com poucos membros possam questionar judicialmente os reajustes excessivos e, se comprovado o “falso coletivo”, obtenham a readequação contratual para planos individuais — mais seguros e regulados.
Conclusão
O caso reforça que a Justiça brasileira não tolera abusos contratuais disfarçados por formalismos. Se você tem um plano dito “coletivo”, com poucos membros e sem vínculo empregatício real, e está sofrendo com reajustes abusivos ou falta de transparência, procure orientação jurídica especializada.
A readequação do contrato e a restituição dos valores pagos indevidamente são direitos que podem ser garantidos por meio judicial.