1. Introdução
A judicialização da saúde tem se intensificado no Brasil, especialmente em casos envolvendo medicamentos de alto custo e de fornecimento restrito. Um exemplo recente é a decisão da 2ª Vara Cível de Poços de Caldas/MG, que obrigou uma operadora de saúde a custear o medicamento Panhematin, prescrito para uma criança com quadro grave de porfiria aguda intermitente.
A decisão reforça a proteção constitucional ao direito à vida e à saúde, além de consolidar entendimentos jurisprudenciais que limitam práticas abusivas das operadoras de planos de saúde, especialmente diante da urgência e da essencialidade do tratamento.
2. O Caso Concreto
A paciente, uma criança beneficiária de plano de saúde, foi internada após uma crise aguda de porfiria. O tratamento indicado pela médica responsável foi o uso do Panhematin, único medicamento aprovado no Brasil para a enfermidade e cujo custo médio gira em torno de R$ 500 mil.
Apesar da prescrição médica e da urgência do quadro, a operadora negou a cobertura sob alegação de ausência de previsão contratual. A família, então, ajuizou ação pleiteando tanto o custeio do medicamento quanto indenização por danos morais.
Em decisão liminar, o fornecimento do medicamento foi garantido, e posteriormente, em sentença, a liminar foi confirmada e a operadora condenada a pagar, também, indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil.
(Processo nº 5003177-62.2025.8.13.0518)
3. A Base Legal do Direito ao Medicamento
A decisão da magistrada se fundamentou em dois pilares principais:
- Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998, art. 12), que obriga a cobertura de medicamentos administrados durante a internação hospitalar;
- Constituição Federal (art. 196), que consagra a saúde como direito de todos e dever do Estado, em conjunto com os princípios da dignidade da pessoa humana e do direito à vida.
Além disso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou entendimento de que a negativa de custeio de tratamento essencial e prescrito por médico configura prática abusiva, passível de responsabilização da operadora.
4. Responsabilidade Civil das Operadoras
A conduta da operadora não apenas violou normas legais, mas também configurou dano moral indenizável, conforme reconhecido pela juíza. Isso porque a recusa em custear tratamento vital expõe o paciente — neste caso, uma criança em estado grave — a risco de morte e sofrimento desnecessário, configurando afronta à boa-fé objetiva e aos princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Esse tipo de prática, cada vez mais comum, reforça a necessidade de intervenção judicial para equilibrar a relação contratual entre consumidores e operadoras de saúde.
5. Conclusão
O caso do Panhematin evidencia como o Poder Judiciário tem sido fundamental para assegurar a efetividade do direito à saúde em situações emergenciais.
Para os beneficiários de planos de saúde, a mensagem é clara: a prescrição médica deve prevalecer sobre cláusulas contratuais restritivas, especialmente quando está em jogo a vida do paciente.
Já para os profissionais da saúde e operadores do direito, o episódio serve de alerta para a importância de laudos médicos detalhados, relatórios técnicos e provas documentais robustas, que sustentem a urgência e a necessidade do tratamento.
A judicialização, ainda que não seja a via ideal, continua sendo instrumento essencial para corrigir desequilíbrios e garantir que a dignidade humana prevaleça sobre interesses econômicos.