1. Introdução
A recusa de cobertura de procedimentos médicos por parte dos planos de saúde é uma das questões mais recorrentes no Direito da Saúde. Entre as justificativas mais utilizadas pelas operadoras está a ausência do procedimento no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS. No entanto, recentes decisões judiciais, amparadas na Lei nº 14.454/2022, reafirmam que o rol da ANS é apenas uma referência básica, sendo abusiva a negativa de tratamentos essenciais recomendados por profissionais habilitados. Esse foi o entendimento aplicado em decisão que obrigou um plano de saúde a custear cirurgia cardíaca fora da lista da ANS.
2. Entenda o Caso
Um paciente de 80 anos, diagnosticado com estenose aórtica grave, teve indicada por seu médico a realização do procedimento de implante valvar aórtico transcateter (TAVI). O plano de saúde recusou a autorização sob o argumento de que a técnica não constava no rol da ANS. Além disso, a operadora alegou a necessidade de equipe médica específica para liberar a cobertura, buscando transferir ao paciente uma responsabilidade que não lhe compete.
Diante da urgência e da gravidade do quadro clínico, a ação judicial foi ajuizada e, em decisão proferida pela juíza substituta Erica Batista de Castro, da 1ª Vara Cível da Barra da Tijuca (RJ), foi determinada a cobertura integral da cirurgia, além do pagamento de R$ 10 mil a título de danos morais.
3. Fundamentação Jurídica
A decisão foi fundamentada na Lei nº 14.454/2022, que alterou a Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98) para deixar claro que o rol da ANS possui caráter exemplificativo. Assim, mesmo que um procedimento não esteja previsto expressamente na lista, ele deve ser custeado desde que preenchidos os seguintes requisitos:
- Haja prescrição médica fundamentada;
- Exista comprovação científica da eficácia do tratamento;
- O procedimento seja respaldado pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) ou por órgão internacional de renome.
Ao destacar que cabe ao médico assistente definir a conduta terapêutica adequada ao paciente, a magistrada reforçou o princípio da dignidade da pessoa humana e a proteção constitucional à saúde, previstos no art. 196 da Constituição Federal.
4. Impactos para os Beneficiários
Essa decisão reforça a segurança jurídica dos beneficiários de planos de saúde, especialmente em situações críticas. A interpretação restritiva do rol da ANS já foi amplamente considerada abusiva pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e a Lei nº 14.454/2022 veio consolidar essa posição. Para os pacientes, isso significa que tratamentos inovadores ou mais eficazes, mesmo que ainda não estejam incorporados ao rol, podem e devem ser custeados.
Além disso, o reconhecimento do dano moral demonstra que a recusa injustificada de cobertura não apenas viola o contrato, mas também atinge diretamente a dignidade e a tranquilidade do paciente, podendo gerar reparação financeira.
5. Conclusão
A negativa de cobertura de cirurgia essencial fora do rol da ANS é considerada ilegal, desde que preenchidos os requisitos legais e médicos necessários. A decisão em questão reafirma a prevalência do direito à saúde e à vida sobre interesses econômicos das operadoras de saúde, reforçando a importância da judicialização como ferramenta de garantia de direitos.
Em casos semelhantes, é fundamental que os pacientes busquem orientação de um advogado especializado em Direito da Saúde, que poderá adotar medidas extrajudiciais e judiciais para assegurar o tratamento prescrito e, se for o caso, a devida indenização pelos danos causados.
Processo: 0805445-42.2025.8.19.0209