1. Introdução
A recente decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ/DF) representa um importante avanço na efetivação do direito à saúde e à maternidade no Brasil. Ao reconhecer o dever do plano de saúde de estender temporariamente a cobertura à gestante substituta em caso de “barriga solidária”, a Corte reafirma valores constitucionais essenciais como a dignidade humana, a proteção à vida e o planejamento familiar.
A decisão estabelece um precedente de extrema relevância: ainda que o contrato de plano de saúde não preveja expressamente a gestação por substituição, a ausência de cláusula específica não pode se sobrepor a direitos fundamentais.
2. O Caso Concreto
O processo envolveu um casal beneficiário de plano de saúde da Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil, que, diante da impossibilidade médica de gestação, optou pela fertilização in vitro com cessão temporária de útero.
Apesar de o procedimento ser regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina (Resolução CFM nº 2.320/2022), o plano de saúde negou cobertura ao pré-natal e ao parto da gestante substituta, sob alegação de ausência de previsão contratual.
A 2ª Turma Cível do TJ/DF reformou a decisão de primeira instância, determinando a inclusão temporária da cedente de útero como beneficiária do plano, assegurando o atendimento obstétrico e o parto em hospital credenciado até a alta médica
3. Fundamentação Jurídica
A decisão é amparada em sólidos fundamentos constitucionais e legais:
- Art. 196 da Constituição Federal: reconhece o direito à saúde como dever do Estado e direito de todos;
- Art. 17, §1º da Lei nº 9.656/98: impõe às operadoras o dever de comunicar descredenciamentos e assegurar continuidade assistencial;
- Princípios da dignidade da pessoa humana e da boa-fé objetiva, que norteiam a interpretação dos contratos de saúde suplementar;
- Planejamento familiar (art. 226, §7º da CF/88), que assegura às famílias o direito de decidir livremente sobre ter filhos e pelos meios que a ciência disponibiliza.
O relator, desembargador Eduardo Abreu Biondi, destacou que “a ausência de cláusula contratual não é suficiente para afastar o direito fundamental à saúde, à vida, à maternidade e ao planejamento familiar”, afirmando que a cobertura deve acompanhar o propósito do contrato: assegurar a assistência à gestante e ao nascituro.
4. Impactos da Decisão
A decisão do TJ/DF ultrapassa os limites do caso concreto, representando um marco jurídico e social para famílias que optam pela gestação por substituição.
Entre os principais reflexos:
- Garantia de atendimento obstétrico e parto para a gestante substituta;
- Reconhecimento da legitimidade da “barriga solidária” dentro do sistema de saúde suplementar;
- Mitigação do princípio da relatividade contratual, ao admitir a inclusão temporária de terceiros quando necessário para o cumprimento da finalidade do contrato.
Além disso, a decisão evita um grave vácuo assistencial, garantindo que o nascituro receba o acompanhamento médico adequado desde a gestação, independentemente de quem o esteja gerando.
5. Conclusão
O precedente do TJ/DF reafirma que a maternidade é um direito de todos, e não pode ser restringida por cláusulas contratuais ou interpretações rígidas de cobertura.
Ao determinar que o plano de saúde estenda a cobertura à gestante substituta, o Tribunal protege a vida, a maternidade e o vínculo familiar, pilares do Estado Democrático de Direito.
Mais do que uma vitória jurídica, essa decisão é um ato de reconhecimento da humanidade, um passo firme na direção de uma sociedade que compreende que o direito à saúde não se limita ao corpo, mas também ao sonho de ser mãe e ao direito de nascer com dignidade.
