1. Introdução
A judicialização da saúde tem revelado um padrão recorrente: operadoras negam procedimentos essenciais sob argumentos contratuais frágeis ou interpretações restritivas da cobertura.
Um caso recente julgado pela 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) reforça que tais práticas são abusivas e violam direitos fundamentais do consumidor, especialmente quando se trata de tratamentos cirúrgicos indispensáveis à preservação da saúde e da dignidade humana.
O caso envolve uma idosa que teve negada a autorização para cirurgia no quadril, incluindo próteses, órteses, exames e materiais indispensáveis ao procedimento e precisou recorrer à Justiça para garantir o atendimento e a reparação pelos danos sofridos.
2. O Caso Concreto
A paciente, residente no Noroeste de Minas, foi surpreendida com a negativa do plano de saúde para a realização de uma cirurgia ortopédica complexa, envolvendo artroplastia, enxerto ósseo, transposição de tendões e sinovectomia de quadril.
A operadora alegou exclusões contratuais e tentou justificar a recusa apontando limitações de cobertura. No entanto, tais argumentos não se sustentaram diante do fato de que os materiais e procedimentos negados eram indispensáveis à efetivação da cirurgia recomendada pelo médico assistente.
O juízo de primeira instância determinou que o plano autorizasse integralmente o procedimento. A operadora recorreu, mas o TJMG confirmou a sentença e ainda condenou a empresa ao pagamento de R$ 8 mil em danos morais.
3. Fundamentação Jurídica da Decisão
A decisão do TJMG se baseou em premissas consolidadas pelo ordenamento jurídico e pela jurisprudência nacional:
3.1. Princípio da dignidade da pessoa humana
O relator destacou que a finalidade essencial do plano de saúde é garantir meios para a preservação da vida e da saúde do beneficiário, sendo abusiva qualquer cláusula que esvazie essa função.
3.2. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor
Nos termos da Súmula 608 do STJ, os contratos de planos de saúde submetem-se às normas do CDC, o que significa que cláusulas restritivas:
- Devem ser interpretadas de forma mais favorável ao consumidor;
- Não podem impor limitações que inviabilizem o tratamento prescrito.
3.3. Ilicitude na negativa de órteses, próteses e materiais cirúrgicos
O TJMG reforçou entendimento amplamente consolidado:
➡️ É ilegal negar materiais essenciais ao procedimento, mesmo em contratos anteriores à Lei 9.656/98.
Se a cirurgia é coberta, todos os materiais necessários se tornam automaticamente de cobertura obrigatória.
3.4. Responsabilidade pelo ressarcimento das despesas
O relator também afirmou que, inexistindo prova válida em sentido contrário, o plano tem a obrigação de:
- Ressarcir o paciente pelas despesas realizadas por conta da negativa,
- Custear todo o tratamento cirúrgico indicado pelo médico assistente.
4. Dano Moral e Reparação ao Consumidor
A recusa afetou diretamente uma paciente idosa, em situação de vulnerabilidade e dor.
O Tribunal reconheceu que:
- A negativa agravou seu sofrimento físico e emocional;
- O ato ilícito violou sua confiança legítima e a expectativa de amparo contratual;
- A conduta ultrapassou o mero aborrecimento.
Por isso, o plano foi condenado ao pagamento de R$ 8 mil por danos morais, valor fixado conforme o método bifásico e proporcional à gravidade da conduta.
5. Impactos da Decisão e Orientação ao Consumidor
Este caso representa mais um precedente firme contra práticas abusivas de operadoras que:
- Negam coberturas essenciais,
- Tentam excluir materiais ou etapas de procedimentos complexos,
- Utilizam cláusulas genéricas ou ilegítimas para restringir tratamentos.
O julgamento reforça que a indicação médica deve prevalecer sempre que houver respaldo técnico e necessidade comprovada.
Pacientes que enfrentarem situação semelhante devem:
- Solicitar a negativa por escrito;
- Obter relatório médico detalhado sobre a necessidade do procedimento;
- Guardar comprovantes e documentos clínicos;
- Buscar auxílio de advogado especialista em Direito da Saúde para obter liminar e reparação de danos.
6. Conclusão
A decisão do TJMG reafirma um entendimento essencial:
Planos de saúde não podem restringir tratamento necessário ao paciente, nem negar materiais indispensáveis à cirurgia prescrita.
Quando a recusa compromete a saúde ou a dignidade do beneficiário, o Judiciário intervém para garantir a efetividade do direito fundamental à saúde e reparar os danos causados.
A proteção do consumidor no âmbito dos planos de saúde continua sendo tema central na jurisprudência brasileira e decisões como esta fortalecem a segurança jurídica e o respeito ao direito à vida.
