1. Introdução
O avanço da medicina oncológica tem proporcionado novos tratamentos mais eficazes para doenças graves como a Leucemia Mieloide Aguda (LMA). Contudo, o acesso a essas terapias ainda encontra resistência por parte dos planos de saúde, que frequentemente se apoiam em justificativas contratuais ou no rol da ANS para negar cobertura.
Um caso recente no Maranhão exemplifica essa realidade: um paciente de 39 anos, em estado grave e com LMA recidivada, necessitou do medicamento Gemtuzumabe Ozogamicina (Mylotarg®) para iniciar protocolo de quimioterapia de resgate. A negativa da operadora levou à judicialização e resultou em decisão que obrigou o fornecimento do fármaco, reconhecendo o caráter abusivo da recusa.
2. O Caso Concreto
No processo 0871691-14.2025.8.10.0001 (TJ/MA, em segredo de justiça), o paciente, já internado e em quadro crítico, recebeu prescrição médica detalhada, fundamentada em diretrizes internacionais e respaldada por estudos clínicos, como o ALFA-0701.
O plano de saúde recusou a cobertura alegando uso off-label, ou seja, fora da indicação expressa em bula aprovada pela Anvisa. Contudo, o juízo reconheceu que a prescrição médica fundamentada, aliada à urgência e gravidade do quadro clínico, deveria prevalecer.
A decisão determinou o custeio imediato do medicamento, fixou multa diária em caso de descumprimento e autorizou bloqueio de valores para aquisição direta do fármaco diante da inércia da operadora.
3. Fundamentação Jurídica
A decisão ampara-se em três pilares fundamentais:
- Prescrição Médica: cabe ao médico assistente, e não ao plano de saúde, definir a conduta terapêutica mais adequada ao paciente.
- Literatura Científica: estudos internacionais de relevância demonstram a eficácia do Mylotarg® em pacientes com LMA recidivada, mesmo fora da bula oficial.
- Proteção Legal ao Consumidor: tanto o CDC quanto a Lei 9.656/1998 reforçam que cláusulas restritivas não podem suprimir o direito fundamental à saúde. O entendimento do STJ (Tema 1069) já consolidou que o rol da ANS é exemplificativo, não podendo limitar tratamentos necessários.
Assim, a negativa foi considerada prática abusiva, violando os princípios da boa-fé e da função social do contrato.
4. Impactos Práticos
Para beneficiários, a decisão representa uma garantia de que o tratamento mais adequado não pode ser negado sob pretextos burocráticos. Pacientes em situação crítica passam a ter maior respaldo judicial para obter terapias modernas e personalizadas.
Para operadoras, a jurisprudência alerta que negativas injustificadas podem resultar não apenas na obrigação de custear o tratamento, mas também em condenações por danos morais e medidas coercitivas, como bloqueios judiciais.
5. Conclusão
O precedente do TJ/MA reforça que, diante de um quadro grave como a LMA recidivada, o direito à vida deve prevalecer sobre restrições administrativas ou contratuais.
O Judiciário tem cumprido papel essencial ao assegurar que pacientes tenham acesso a terapias inovadoras quando há respaldo científico e prescrição médica fundamentada.
Esse entendimento fortalece o campo do Direito da Saúde e mostra que o tratamento não pode ser limitado pelo rol da ANS ou pela interpretação restritiva das operadoras, mas deve ser guiado pelo princípio maior da dignidade da pessoa humana.