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A Recusa de Transfusão de Sangue por Motivos Religiosos e a Responsabilidade Médica: O que Diz a Jurisprudência

1. Introdução

A recente deliberação do Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou um importante precedente no campo da saúde e da autonomia individual: o direito de pacientes Testemunhas de Jeová de recusarem transfusões de sangue por convicções religiosas. A decisão, dotada de repercussão geral, reforça que a dignidade da pessoa humana e a liberdade de crença devem ser respeitadas, ainda que em situações de risco à vida. (Processo: RE 1.212.272)

Esse julgamento gera impacto direto na atuação médica, pois impõe ao profissional a necessidade de compatibilizar a ética médica, o dever de salvar vidas e a autonomia do paciente, o que demanda cautela jurídica e documental.

2. O Caso Concreto

O recurso analisado pelo STF teve origem em ação na qual uma paciente Testemunha de Jeová se recusou a assinar termo autorizando transfusão de sangue previamente à cirurgia cardíaca. A negativa resultou na recusa de atendimento por parte da equipe médica.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) recorreu, sustentando que a ausência de ressalvas em situações de risco iminente de morte poderia expor médicos a ações judiciais. Contudo, o relator, ministro Gilmar Mendes, e a maioria dos ministros entenderam que a tese já contempla mecanismos de proteção ao profissional, desde que respeitados os princípios da autonomia e da informação.

3. O Direito de Recusa e a Proteção Constitucional

A Constituição Federal assegura, em seu artigo 5º, incisos VI e VIII, a liberdade de crença e a objeção de consciência, direitos que se estendem ao campo da saúde. O STF firmou a seguinte tese:

  1. É permitido ao paciente, no gozo pleno de sua capacidade civil, recusar tratamento médico por razões religiosas, desde que de forma livre, inequívoca e esclarecida.
  2. É possível a realização de procedimentos alternativos, desde que viáveis técnica e cientificamente, com anuência da equipe médica e respeito à decisão do paciente.

Essa interpretação harmoniza o direito à saúde, a liberdade religiosa e a autonomia da vontade, pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito.

4. Responsabilidade Médica e a Importância da Documentação

Embora a decisão proteja a autonomia do paciente, os médicos permanecem responsáveis por registrar e documentar a recusa de forma formal e inequívoca. Para se resguardar de alegações de negligência, o profissional deve:

  • Colher Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assinado pelo paciente, explicitando a recusa de transfusão;
  • Registrar em prontuário médico a recusa, bem como as alternativas terapêuticas oferecidas;
  • Se possível, contar com a assinatura de testemunhas e familiares para reforçar a autenticidade da decisão;
  • Observar eventuais diretivas antecipadas de vontade já registradas pelo paciente;
  • Garantir que todo o processo seja acompanhado de explicações claras sobre os riscos, respeitando o dever de informação.

Com esses cuidados, o médico atua em conformidade com a ética profissional e a legislação, resguardando-se de imputações criminais, civis ou éticas.

5. Conclusão

A decisão do STF representa um marco na consolidação da autonomia do paciente no Brasil, reafirmando que a saúde deve ser tratada à luz da dignidade humana e não apenas da lógica biomédica.

Para os médicos, a lição prática é clara: respeitar a vontade do paciente, adotar alternativas viáveis e, sobretudo, documentar de forma minuciosa a recusa de procedimentos. Assim, garante-se tanto o direito fundamental do indivíduo quanto a proteção legal do profissional de saúde.

Pacientes, familiares e médicos devem compreender que, diante de situações delicadas como essa, o diálogo, a informação e o registro formal são os maiores aliados da ética e da justiça.

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