1. Introdução
A estabilidade e a previsibilidade na prestação de serviços de saúde suplementar são fundamentais para a proteção do consumidor. Situações em que a operadora autoriza um procedimento cirúrgico e, posteriormente, nega o custeio de materiais utilizados, geram insegurança jurídica e afrontam os princípios da boa-fé e da confiança legítima.
Recentemente, uma decisão da 4ª Vara Cível de Santo Amaro/SP determinou que uma operadora de saúde arcasse com R$ 46 mil em materiais cirúrgicos, cobrados de beneficiária após procedimento previamente autorizado, reafirmando a responsabilidade do plano de saúde em cumprir integralmente a cobertura autorizada.
2. O Caso e a Decisão Judicial
A beneficiária havia sido submetida a cirurgia em hospital da rede conveniada, mediante autorização expressa da operadora para a internação e para o ato cirúrgico. Após a conclusão do procedimento, o hospital apresentou cobrança de R$ 46 mil referentes a materiais cirúrgicos, sob alegação de que o plano de saúde havia se recusado a custeá-los, revertendo sua decisão inicial.
Em juízo, a operadora sustentou que o contrato da paciente não estava adaptado à Lei nº 9.656/1998 e que a exclusão de determinados insumos era legítima. No entanto, a juíza Marian Najjar Abdo concluiu que a conduta da operadora foi contraditória e abusiva, uma vez que a autorização prévia do procedimento e de seus materiais cria legítima expectativa de cobertura integral.
3. Fundamentos Jurídicos da Decisão
A decisão amparou-se em princípios essenciais do Direito do Consumidor e do Direito da Saúde, tais como:
- Boa-fé objetiva e confiança legítima: a operadora, ao autorizar a cirurgia sem ressalvas, assumiu a obrigação de custear todos os insumos necessários ao procedimento;
- Código de Defesa do Consumidor: a recusa posterior configura prática abusiva, nos termos do art. 51, IV, que veda cláusulas ou condutas que coloquem o consumidor em desvantagem excessiva;
- Proteção da vida e da saúde: insumos indispensáveis à cirurgia não podem ser negados, sob pena de colocar em risco a integridade física da paciente;
- Inexigibilidade de débito: o hospital não pode transferir ao paciente o ônus financeiro resultante da falha da operadora, quando esta já havia assumido a cobertura do tratamento.
A sentença declarou a inexigibilidade da cobrança, condenando a operadora a efetuar o pagamento diretamente ao hospital, reafirmando o dever de cumprimento integral da cobertura autorizada.
4. Impactos e Relevância da Decisão
O julgado reforça o entendimento de que a conduta contraditória das operadoras afronta a função social do contrato e a confiança depositada pelo consumidor. Autorizações prévias não podem ser esvaziadas por negativas posteriores, sob pena de configurar abuso e gerar responsabilização civil.
Além disso, evidencia-se a importância da documentação formal das autorizações e da negativa por escrito, prevista nas normas da ANS e fundamental para a defesa do consumidor em eventual ação judicial.
5. Conclusão
A decisão da 4ª Vara Cível de Santo Amaro/SP reafirma que o plano de saúde responde integralmente pelos materiais e insumos de cirurgia previamente autorizada. A prática de autorizar o procedimento e, posteriormente, negar o custeio parcial caracteriza violação da boa-fé, gerando dever de reparação e nulidade da cobrança.
Beneficiários que enfrentem situações semelhantes devem buscar suporte jurídico especializado, podendo obter tutela judicial para garantir a cobertura integral do tratamento e evitar prejuízos financeiros indevidos.
Processo: 1038247-53.2025.8.26.0100
