O vício em jogos, também chamado de ludopatia, deixou há muito tempo de ser visto como um mero desvio de comportamento ou falta de autocontrole. Hoje, é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como uma doença mental, com impactos sérios sobre a saúde física, psíquica, financeira e social de quem sofre com o transtorno. E mais: a ludopatia é um problema de saúde pública, com implicações legais relevantes.
O Que é a Ludopatia e Como Ela se Manifesta
Classificada sob o CID F63.0, a ludopatia é um transtorno de controle de impulsos. A pessoa perde a capacidade de resistir ao impulso de jogar, seja em cassinos, apostas online, loterias ou outras formas de jogo. Os sinais mais comuns incluem:
- Aposta como forma de aliviar angústia ou ansiedade;
- Dificuldade de parar, mesmo diante de perdas expressivas;
- Endividamento constante;
- Mentiras e omissões;
- Isolamento social e prejuízo nas relações pessoais e profissionais.
É Doença, e Tem Direito ao Tratamento
O reconhecimento da ludopatia como doença tem implicações diretas no campo do Direito à Saúde. Isso significa que o paciente diagnosticado tem direito ao tratamento médico e psicológico adequado, seja pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou por planos privados.
Planos de saúde, inclusive, não podem negar cobertura ao tratamento com base no argumento de que não se trata de doença listada no rol da ANS. Com laudo médico atestando a necessidade, o paciente pode exigir:
- Sessões de psicoterapia e psiquiatria;
- Internações psiquiátricas (quando indicadas);
- Uso de medicamentos controlados;
- Acompanhamento multidisciplinar.
Judicialização: Quando o Sistema Falha, o Judiciário Atua
A negativa do plano de saúde em custear o tratamento da ludopatia pode ser revertida judicialmente. A jurisprudência brasileira tem reconhecido esse direito, sobretudo quando há laudo médico fundamentado. Em muitos casos, é possível obter liminar para garantir o início do tratamento de forma imediata.
Além disso, é possível discutir judicialmente:
- A anulação de dívidas feitas sob influência do transtorno;
- A responsabilização de plataformas de aposta que não adotam políticas de proteção ao jogador compulsivo;
- A reparação de danos morais decorrentes da exclusão social e financeira causada pela doença.
Interseção com Outras Áreas do Direito
A depender do caso, o tratamento da ludopatia pode envolver também o Direito do Consumidor, o Direito Bancário e o Direito Civil. Comprovada a vulnerabilidade psíquica, é possível questionar contratos abusivos e pedir medidas de proteção contra o superendividamento, à luz da Lei 14.181/21.
Conclusão: Jogar Não é Crime, Mas Viciar é Doença – e o Estado Deve Intervir
A ludopatia é um grave problema que exige atenção, cuidado e resposta rápida dos sistemas de saúde e justiça. Trata-se de um transtorno real, com impactos profundos na vida do indivíduo e de sua família. Por isso, deve ser tratado com seriedade, empatia e amparo jurídico.
Caso haja negativa de custeio por parte do plano de saúde, ou omissão do poder público, é essencial procurar apoio jurídico especializado em Direito da Saúde. A informação é o primeiro passo. O segundo, é agir com firmeza para garantir um direito que é essencial: o direito de se tratar e se recuperar com dignidade.