1. Introdução
O avanço da ciência médica e o surgimento de novos tratamentos representam um marco de esperança para milhares de pacientes diagnosticados com doenças graves. A cada nova aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), abre-se a possibilidade de acesso a terapias inovadoras — muitas delas capazes de transformar o curso clínico de enfermidades até então de difícil controle.
Entretanto, a realidade da saúde suplementar nem sempre acompanha o ritmo da inovação. Muitos planos de saúde ainda negam a cobertura de medicamentos recém-registrados, alegando ausência no Rol de Procedimentos da ANS. Essa prática, contudo, tem sido amplamente rechaçada pelos tribunais brasileiros, que consolidam o entendimento de que o registro sanitário na Anvisa é o marco jurídico que obriga a cobertura pelos planos.
2. O papel da Anvisa e a segurança do registro sanitário
O processo de aprovação de um medicamento pela Anvisa é criterioso e técnico. Envolve a análise de eficácia, segurança e qualidade, com base em estudos clínicos nacionais e internacionais.
Quando a Anvisa concede o registro sanitário, o medicamento passa a ser reconhecido oficialmente como seguro e eficaz para uso terapêutico no Brasil. A partir desse momento, ele deixa de ser experimental e integra o conjunto de tecnologias disponíveis para o tratamento de doenças no país — o que torna abusiva qualquer negativa de cobertura fundamentada apenas na ausência no rol da ANS.
3. Entendimento consolidado do Judiciário
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e diversos tribunais estaduais têm reafirmado que o registro na Anvisa é suficiente para obrigar o plano de saúde a custear o tratamento prescrito, desde que exista indicação médica fundamentada.
Esse entendimento parte de três pilares:
- O Rol da ANS é exemplificativo, e não taxativo;
- A prescrição médica prevalece sobre critérios administrativos das operadoras;
- O direito à vida e à saúde está acima de cláusulas contratuais restritivas.
Em casos recentes, o STJ tem destacado que a ausência de um medicamento no rol não justifica sua negativa, se houver comprovação de eficácia científica e registro na Anvisa. O próprio Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 7.265/DF, também reforçou essa posição ao exigir critérios técnicos, mas reconhecendo que a cobertura é devida quando preenchidos os requisitos legais.
4. O impacto das novas terapias na vida dos pacientes
A incorporação de novos medicamentos aprovados pela Anvisa — como Elahere®, Trikafta®, Enhertu® e Keytruda® — representa uma mudança de paradigma.
Esses fármacos utilizam tecnologias como anticorpos conjugados, terapias gênicas e inibidores de tirosina quinase, promovendo resultados clínicos mais eficazes, com menor toxicidade e maior sobrevida.
Para o paciente, o impacto é direto: menos internações, menos sofrimento e mais dignidade.
Para o sistema de saúde, o efeito é indireto, mas igualmente relevante: redução de custos hospitalares e melhoria global na qualidade do atendimento.
Negar acesso a essas terapias, portanto, é não apenas ilegal, mas antiético e anticientífico.
5. O dever das operadoras e o papel da advocacia em saúde
As operadoras de planos de saúde não podem se colocar acima da regulação sanitária. Uma vez reconhecido pela Anvisa, o medicamento deve ser coberto, sob pena de violação à boa-fé contratual, à função social do contrato e aos direitos fundamentais do consumidor.
A Lei nº 9.656/98, em seu art. 35-F, impõe às operadoras o dever de garantir cobertura de todas as doenças reconhecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Assim, a recusa de custeio sob o argumento de “uso off-label” ou “ausência no rol” é indevida e passível de reparação judicial.
Nesse cenário, o papel da advocacia especializada em Direito da Saúde torna-se indispensável. O advogado atua não apenas como representante jurídico, mas como instrumento de efetivação do direito à vida — garantindo que o paciente receba o tratamento indicado pelo seu médico e reconhecido pela autoridade sanitária.
6. Conclusão
O registro de um medicamento pela Anvisa é mais do que um ato burocrático: é a consagração de que a ciência avançou, e de que vidas podem ser salvas.
Negar cobertura com base em entraves administrativos é desrespeitar não apenas o paciente, mas o próprio sistema regulatório que garante a segurança e eficácia desses tratamentos.
Assim, a decisão judicial e o posicionamento ético convergem em um mesmo sentido: a saúde não espera.
